Negam que subsista em termos explícitos que por Deus foi decretado que Adão
perecesse por sua apostasia. Como se realmente esse mesmo Deus, que a Escritura
proclama “fazer tudo quanto quer” [Sl 115.3], haja criado a mais nobre de suas
criaturas com um fim ambíguo! Dizem que foi apanágio do livre-arbítrio que ele
próprio dispusesse seu destino; Deus, porém, não destinou nada, senão que o tratasse
conforme seu mérito. Se tão insípida invenção for aceita, onde estará aquela
onipotência de Deus pela qual, segundo seu conselho secreto, o qual de nenhuma
outra coisa depende, a tudo governa e regula?
Com efeito, queiram ou não, a predestinação se exibe em todos filhos de Adão.
Pois por obra da natureza não pode acontecer que, pela culpa de um único ancestral,
todos fossem subtraídos da salvação. Que os proíbe de confessar em relação a um
homem o que, relutantes, admitem em relação a todo o gênero humano? Ora, por
que perderiam o trabalho tergiversando? A Escritura proclama que na pessoa de um
só homem todos os mortais foram entregues à morte eterna [Rm 5.12-18]. Isto, como
não se pode imputar à natureza, mui longe de obscuro é que proceda do admirável
conselho de Deus. É assaz absurdo que esses bons patronos da justiça de Deus fiquem
perplexos diante de uma varinha, contudo saltem por sobre altas vigas!
De novo, pergunto: Donde vem que tanta gente, juntamente com seus filhos
infantes, a queda de Adão lançasse, sem remédio, à morte eterna, a não ser porque a
Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas línguas emudeçam, de outro modo
tão loquazes. Certamente confesso ser esse um decreto espantoso. Entretanto, ninguém
poderá negar que Deus já sabia qual fim o homem haveria de ter, antes que o
criasse, e que ele sabia de antemão porque assim ordenara por seu decreto. Se alguém
aqui investe contra a presciência de Deus, tropeça temerária e irrefletidamente.
Ora, pergunto, por que se haja de ter o Juiz celestial culpado pelo fato de não
ignorar o que haveria de acontecer? Por isso mesmo, se existe razão para queixa, ou
justa ou ilusória, compete à predestinação. Nem deve parecer absurdo o que digo:
Deus não só viu de antemão a queda do primeiro homem e nela a ruína de sua
posteridade, mas também as administrou por seu arbítrio. Pois, como pertence à Sua
sabedoria ser presciente de todas as coisas que haverão de acontecer, assim cabe ao
seu poder com sua mão a tudo reger e regular. E também desta questão, como de
outras, Agostinho dispõe magistralmente: “Confessamos ser mui saudável o que
mui acertadamente cremos: que o Deus e Senhor de todas as coisas, que tudo criou
muito bom[Gn 1.31], e viu de antemão que das coisas boas coisas más haveriam de
surgir, e contudo conheceu por sua onipotente bondade ser mais pertinente fazer
benefícios dos males do que não permitir que as coisas más viessem à existência,
assim ordenou a vida de anjos e homens para que nela manifestasse antes o que
pudesse o livre-arbítrio, e então o que pudesse o benefício de sua graça e o juízo de
sua justiça.”
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Institutas da Religião Cristã Volume 3
LIVRO III .
Nesse caso, não se trata do Deus de Abraão, de Isaac, de Jacó, Deus que nos amou e deu seu filho na cruz, mas um Demiurgo, a potestade maligna dos vários tipos de Gnosticismo.
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