Os Reformadores Radicais e seu Desprezo pela Palavra(Os "entusiastas")




















A outra fronte de batalha de Calvino era contra o ensino da Reforma

radical, conhecida como a "ala esquerdista" da Reforma. Havia

diversos grupos dentro desta ala do movimento reformista. Havia, em

primeiro lugar, como os Anabatistas, os "Fanáticos34", os "Espiritualistas"

e os Antitrinitarianos, que "embora diferentes em seus propósitos

e em suas doutrinas, tinham em comum o desejo de ver uma

Reforma muito mais radical do que a propagada por Lutero e Zwinglio."

A polêmica de Calvino contra os Anabatistas concentrou-se em

questões como batismo infantil, predestinação, governo de Igreja,

relação entre Igreja e Estado, e interpretação das Escrituras.

Os "Entusiastas" enfatizavam o ministério didático do Espírito,

um ponto que havia sido resgatado pelos Reformadores; porém, estavam

indo além deles, reivindicando serem ensinados diretamente

pelo Espírito através de novas revelações, por meio de uma luz interior.

Afirmavam que o Espírito não podia ficar restrito a palavras escritas,

pois isto diminuiria sua soberania. Testar as manifestações espirituais

seria desonrar o Espírito. Chegavam a ridicularizar os que se

apegavam às Escrituras, pois a consideravam como uma forma inferior

e temporária de revelação, e criticavam Calvino e os demais reformadores

por se apegarem à letra que mata.

Os "Entusiastas," portanto, eram uma reação à escravidão das

Escrituras por parte da Igreja que havia vigorado até a Reforma, mas

uma reação que estava indo longe demais. Calvino, naturalmente,

simpatizava-se com os "Entusiastas" em vários pontos. Para ambos,

as Escrituras, como Palavra de Deus, não estavam cativas à interpretação

da Igreja, mas deveriam ser livremente examinadas por todos.

Calvino, porém, questionava seriamente a separação entre o Espírito

e a Palavra, e considerava qualquer tendência neste sentido como

"demência". Ele também duvidava que "novas revelações" fossem

uma obra do Espírito Santo, e chegava mesmo a suspeitar que os que

reinvidicavam receber revelações novas, que excediam as Escrituras,

estavam sendo guiados por outro espírito, que não o de Deus. Calvino

cria na realidade e na atuação de espíritos mentirosos, e que Satanás

estava continuamente iludindo as pessoas, procurando afastálas

da verdade, transfigurando-se em "anjo de luz" (2 Co 11.3,14).

Para ele, "novas revelações", na verdade, eram invenções de espíritos

mentirosos, não provinham do Espírito Santo, sendo o cumprimento

de passagens como 1 Tm 4.1-2.(19)


O Ensino de Calvino sobre o Espírito e a Palavra


Calvino não se limitou a criticar os exageros dos "Entusiastas."

Ele apresentou, de forma positiva e construtiva, o ensino bíblico sobre

a direção divina para a Igreja vivendo após os tempos apostólicos.

No livro I das suas Institutas, onde trata de "O Conhecimento de

Deus como Criador", Calvino dá o seguinte título ao capítulo 9: Os

fanáticos, abandonando as Escrituras e bandeando-se para revelação,

derrubam todos os princípios da piedade. Nesse capítulo, o reformador

aborda o ensino dos "Fanáticos", como eram conhecidos na época,

a partir da inseparável relação entre o Espírito e a Palavra.


O Espírito Fala pelas Escrituras


O ponto central de Calvino era que o Espírito fala pelas Escrituras.

Não que o Espírito estivesse restrito à Pregação da Palavra e aos

sacramentos, mas sim que Ele não pode ser dissociado de ambos. O

Espírito havia sido dado à Igreja, não para trazer novas revelações,

mas para nos instruir nas palavras de Cristo e dos profetas35.

Contra o desprezo pelas Escrituras da parte de muitos "Entusiastas,"

Calvino citava o exemplo do apóstolo Paulo, que mesmo tendo

sido arrebatado ao terceiro céu, onde recebeu revelações extraordinárias

(2 Co 12.2), ainda assim jamais desprezou as Escrituras, como

se fossem uma forma inferior de revelação, mas as reconheceu como

suficientes e eficazes, pela graça do Espírito, para edificar a Igreja em

todas as coisas concernentes ao reino de Deus (2 Tm 3.15-17; cf. 1

Tm 4.13).

O Espírito é reconhecido pela sua harmonia com as Escrituras

Outro ponto importante destacado por Calvino nas Institutas

era que a atuação do Espírito Santo poderia ser reconhecida pela sua

harmonia com as Escrituras, as quais haviam sido inspiradas pelo

próprio Espírito36.


A Soberania do Espírito


Um último ponto ao qual desejo me referir é a insistência de

Calvino sobre a soberania do Espírito Santo nesta relação íntima com

a Palavra de Deus. Para ele, a Palavra é o instrumento pelo qual Deus

dispensa a iluminação do Espírito aos crentes. Assim, Cristo fala hoje

através do ministro do Evangelho, quando o mesmo expõe fielmente

a Palavra37.

Assim, a eloqüência, a habilidade, a erudição e o fervor do pregador

de nada adiantam, se a graça e o poder do Espírito não estiverem

presentes. E assim ocorre porque, o mérito sempre deve ser de

Cristo, e não dos pregadores.

Nota 1

Foi contra os excessos dos "Entusiastas" ou "Fanáticos" (como eram conhecidos)

na área de novas revelações contemporâneas do Espírito, que Calvino se concentrou em alguns de seus escritos. Ele escreveu um tratado em 1545 entitulado Contre la secte phantastique et furieuse des Libertines qui se nomment spirituelz(Contra a seita fantástica e furiosa dos Libertinos, que se chamam de Espirituais), que ainda não foi traduzido para o português.

Nota 2

De acordo com Calvino, o Espírito sela nossas mentes quando ouvimos e recebemos com fé a palavra da verdade, o Evangelho da salvação (Ef 1.13). Ele limitase a guiar os crentes e a iluminar seus entendimentos naquilo que ouviu e recebeu do Pai e do Filho, e não de Si mesmo (Jo 16.13). Como o ensino divino se encontra nas Escrituras, a obra do Espírito consiste em iluminá-las, fazendo com que esse ensino seja entendido pelos fiéis.

Extraido de 

Comentários