"Sermão sobre 2 João 1-13"(Amar é caminhar na obediência à verdade.) Por Alan Rennê Alexandrino Lima
1. O presbítero à senhora eleita e aos seus filhos, a quem eu amo na verdade e não somente eu, mas também todos os que conhecem a verdade, 2. por causa da verdade que permanece em nós e conosco estará para sempre, 3. a graça, a misericórdia e a paz, da parte de Deus Pai e de Jesus Cristo, o Filho do Pai, serão conosco em verdade e amor.
4. Fiquei sobremodo alegre em ter encontrado dentre os teus filhos os que andam na verdade, de acordo com o mandamento que recebemos da parte do Pai. 5. E agora, senhora, peço-te, não como se escrevesse mandamento novo, senão o que tivemos desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. 6. E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor.
7. Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo. 8. Acautelai-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes completo galardão. 9. Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. 10. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. 11. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más.
12. Ainda tinha muitas coisas que vos escrever; não quis faze-lo com papel e tinta, pois espero ir ter convosco, e conversaremos de viva voz, para que a nossa alegria seja completa.
13. Os filhos da tua irmã eleita te saúdam.
INTRODUÇÃO
Por ocasião do seu julgamento, o Senhor Jesus Cristo quando interrogado por Pôncio Pilatos, explicou a sua missão afirmando que veio ao mundo “a fim de dar testemunho da verdade”. Em contrapartida, Pilatos fez a seguinte indagação: “Que é a verdade?”. Esta pergunta, meus amados irmãos, não incomodou unicamente ao governador romano. Esta pergunta tem sido o questionamento de toda a humanidade ao longo da história. Os filósofos sempre emitiram questionamentos acerca do que seria a verdade. Eles sempre envidaram os seus esforços na busca, na tentativa de encontrar a verdade. Aristóteles, por exemplo, afirmou que a filosofia tem início com o forte desejo natural que todas as pessoas têm de conhecer a verdade. É um fato, que a motivação com que os homens empreenderam tal busca nem sempre foi altruísta. Na grande maioria das vezes, a inquirição acerca da verdade foi comandada pelo egoísmo.
Mas situação interessante pode ser observada por parte da Igreja, pois a verdade foi plenamente revelada aos homens e mulheres que foram escolhidos por Deus em Cristo Jesus. Por conseguinte, a Igreja cristã atravessou os séculos tendo diante de si como aspectos mnemônicos as palavras de Jesus, quando das definições dadas por ele sobre a verdade: “Eu sou o caminho, a verdade, e a vida...” e “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (João. 14.6; 17.17). Mas a realidade não é mais essa.
Com o advento do iluminismo renascentista os cristãos começaram a ser influenciados por teorias humanistas e a desviarem seus olhares da Palavra de Deus. Esta situação se agravou fortemente na era pós-moderna, onde cada pessoa acha que tem a sua verdade. É comum ouvirmos, hodiernamente, os cristãos dizendo que em assuntos até mesmo da mais alta importância acham isso ou aquilo, de forma que se foi o tempo em que no seio da igreja podíamos encontrar homens e mulheres realmente desejosos de obterem conhecimento. Pessoas que se deleitavam em estudar e conhecer a Palavra de Deus e o Deus da Palavra. Foi instaurado o tempo dos “achólogos”, se é que podemos utilizar tal neologismo. A conseqüência imediata disso é que os mais diversos erros têm sido introduzidos na comunidade cristã. E por uma profunda ignorância a respeito da revelação bíblica todas estas coisas têm sido encaradas como normais e até mesmo benéficas.
ELUCIDAÇÃO
O texto que acabamos de ler se constitui no menor livro de toda a Bíblia. E como tal associado ao seu conteúdo, deve ser classificado como uma carta.
Logo que nos deparamos com o início da presente carta, questões interessantes vêm a lume, como por exemplo, a identidade do “presbítero” e da “senhora eleita” mencionados no início do verso 1. o costume epistolar grego era do autor iniciar a sua carta com uma apresentação formal. Todavia, não é o seu nome que é empregado aqui, mas sim o título: “presbítero”. Isso se deu porque o apóstolo João tinha a mais plena certeza, de que seus interlocutores o reconheceriam dessa forma. É interessante, que nem 1 João nem 2 João trazem o nome de seu autor. Mas a partir de uma comparação entre a linguagem empregada e o conteúdo destas cartas com o quarto evangelho, pode-se asseverar que o autor destes documentos é o mesmo, no caso, o apóstolo João, e não algum outro homem da época que levava o mesmo nome.
Os destinatários da carta são a “senhora eleita e seus filhos”. Esta designação tem sido alvo de maior controvérsia do que a autoria. Muitos comentaristas afirmam que esta “senhora eleita e seus filhos” era realmente uma mulher cristã e os membros da sua família. Teorias já foram elaboradas, as mais mirabolantes, com o propósito de se estabelecer o nome dessa senhora como “Electa”, “Kyria” e até mesmo “Electa Kyria”. Contudo, esta teoria é extremamente improvável, visto que a ausência de um artigo definido no original torna-a apenas conjectura. Na verdade, a expressão “senhora eleita” é apenas uma forma que o apostolo João emprega para se expressar em relação à uma determinada igreja local, que estava sob o seu desvelo. Esta mesma designação é suficientemente flexível para ser aplicada a várias congregações. Isso de tal forma, que no verso 13 João novamente se refere à “tua irmã eleita”. Em 1 Pedro 5.13, também encontramos esta mesma nomenclatura. E “os filhos” desta “senhora”, não eram ninguém menos que os membros individuais da igreja (cf. vv. 1, 4, 13).
A respeito de seu conteúdo, 2 João tem como propósito advertir uma congregação local a respeito dos perigos inerentes encontrados nos ensinamentos de pregadores itinerantes, que acabam esposando falsas doutrinas. A tônica predominante aqui é basicamente a mesma encontrada na primeira carta de João, de forma que os seus três escritos epistolares contêm teologia aplicada a situações específicas. A grande preocupação do presbítero é que os filhos de Deus permaneçam fiéis à verdade da Palavra de Deus.
João escreve com o propósito de combater o tratamento imposto à Igreja pelos falsos mestres. Possivelmente ele estaria combatendo um protognosticismo, visto que tal heresia só alcançaria seu pleno desenvolvimento no século II. Sendo assim, a Igreja cristã tem como dever o caminhar na verdade e evitar todos os falsos ensinamentos. A palavra “verdade” é mencionada cinco vezes ao longo da presente carta. De forma, que é nosso propósito tratar a respeito do seguinte tema:
TEMA: DE ACORDO COM A INSTRUÇÃO APOSTÓLICA A IGREJA DEVE ANDAR NA VERDADE
I – A VERDADE PRÁTICA (vv. 4-6)
Meus amados irmãos, quando se fala numa verdade prática ou experimental ordenada pelo apóstolo de Cristo, está se falando nada mais nada menos do que andar verdadeiramente em amor uns para com os outros.
E aqui o apóstolo João expressa a sua imensa alegria. Ele se regozija no conhecimento que tem do fato, de que alguns dos crentes estão andando na verdade revelada em e pelo Senhor Jesus Cristo. Isso provocava grande regozijo na vida apóstolo. Não obstante, devemos observar com um maior desvelo as palavras de João: “Fiquei sobremodo alegre em ter encontrado dentre os teus filhos os que andam na verdade...”. Apesar da sua imensa alegria, pelas suas palavras podemos perceber claramente, que ele tinha conhecimento que nem todos os membros daquela igreja estavam andando corretamente. O seu regozijo em encontrar alguns que caminham na verdade, claramente implica que os outros não estavam andando na verdade. A palavra “dentre” não se encontra no texto grego. Contudo, a presença da preposição “ek” (de) impõe aqui uma delimitação, implica em um certo número daqueles membros que caminham na verdade.
Tem início aqui, então, uma bifurcação dentro da comunidade cristã, à qual o apóstolo se reporta. Tem início aqui situação contrastante entre os membros daquela igreja. Existem aqueles que andam na verdade e aqueles que andam no erro, que andam “segundo as inclinações da carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (Efésios 2.3). O verbo utilizado aqui para denotar a caminhada dos cristãos na verdade é “peripate,w”. A preposição que compõe este verbo indica que aqueles que cristãos andavam em derredor da verdade, como se esta, fosse assim, o seu único referencial de vida. Estes, que anteriormente andavam rodeando os seus próprios pecados (o mesmo verbo é utilizado em Efésios 2.3), agora, por causa da salvação efetuada por Deus em suas vidas, andam rodeando, contemplando unicamente aquele que é a verdade e a sua santa Palavra. Andar na verdade, seguindo o exemplo maior deixado por Cristo, é a mais sublime tarefa da comunidade cristã. O Dr. John Stott afirma: “andar na verdade inclui crer nela, especialmente na verdade central da encarnação, e obedecer-lhe, procurando ajustar as nossas vidas a ela”.
É interessante ainda, amados irmãos, a complementação do pensamento apostólico, quando da afirmação: “de acordo com o mandamento que recebemos da parte do Pai”. O que se pode apreender dessa afirmação é que trilhar o caminho da verdade não era uma opção para os interlocutores joaninos. Na verdade, trilhar esse caminho era um imperativo, se constituindo assim, num estilo de vida adquirido através do cumprimento à uma ordenança divina. Andar na verdade é um mandamento divino e trilhar o caminho oposto, o caminho do erro é uma flagrante rebeldia contra Deus. Abandonar a verdade, diz João à Igreja, é um erro infeliz, uma desobediência ativa: “Deus não nos revelou a sua verdade de modo tal, que nos deixa livres para, a nosso bel prazer, crermos ou não crermos nela, obedecermos ou desobedecermos. A revelação da verdade divina traz enormes responsabilidades para a vida do cristão. Obter o conhecimento verdadeiro acerca de Cristo é um privilégio sem dimensões tangíveis. E quanto maior o privilégio amados, maior é a responsabilidade. Este mandamento da parte de Deus para a sua Igreja, diz o apóstolo, não é um mandamento novo. Antes, é um mandamento que foi dado por Deus “desde o início”. Com isso, o apóstolo está enfatizando a necessidade da permanência, da perseverança que a Igreja deve ter na verdade. É dever da Igreja permanecer e defender a verdade que a ela foi revelada. É dever dela batalhar na defesa da fé que uma vez foi entregue aos santos (Judas 3). Ela é, como disse o apóstolo Paulo, “coluna e baluarte da verdade” (1 Timóteo 3.15).
No versículo 5, a dimensão prática da verdade, na qual a “senhora eleita” deve permanecer se torna mais claramente perceptível, quando o apóstolo João mais uma vez, afirma que aquilo que ele pede não é um novo mandamento. E aqui há a ratificação de que tal mandamento foi dado desde o princípio. E este mandamento é: “que nos amemos uns aos outros”. Quem anda na verdade caminha consoante o mandamento recebido do Pai. E este mandamento deve ser cumprido de forma plena no relacionamento interpessoal dos “filhos da senhora eleita”. Este mandamento é o amor mútuo. Amar um ao outro não é uma nova ordem. Na verdade, o amor é a essência da Lei de Deus. Preferivelmente, é a mesma ordem que eles haviam recebido desde o início de suas conversões a Cristo, e a mesma ordem dada pelo Senhor Jesus aos seus discípulos. O amor uns pelos outros já havia sido recomendado por João na sua primeira carta, e lá, mais uma vez ele assevera que tal mandamento não é novo, mas que é bem antigo.
É bem possível que uma divisão estivesse ameaçando o povo de Deus aqui. Por isso, o apóstolo reiterou tal verdade básica. Como a preposição traduzida por “de” no verso 4 estabelece uma bifurcação entre os que andavam e os que não andavam na verdade, estes últimos acabaram se tornando a preocupação do apóstolo João aqui. Estes irmãos não mostraram a mesma extensão de amor e humildade como fizeram seus outros irmãos. Como conseqüência, havia uma omissão ou deficiência no caminho de obediência à verdade de Cristo. E por isso o apóstolo João ratifica para a totalidade dos irmãos, que o amor sacrificial também não é mera opção para eles. Antes, era um mandamento, que por sinal era tão antigo quanto o próprio Evangelho.
Mas o raciocínio do apóstolo João é extraordinário, pois no versículo 6, ele mostra exatamente em que consiste esse amor: “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos”. Primeiramente, devemos atentar para o fato de que, apesar de estar em pauta o relacionamento interpessoal dos cristãos, João não utiliza aqui a palavra “filéô”, que também se traduz como amor. Todavia, a sua significação primária é a de afeição fraternal por alguém. Antes, o vocábulo empregado pelo apóstolo para se referir ao amor é o conhecido “ avga,ph ”, usado para denotar a principal atividade de Deus para com os seres humanos. Esta palavra é usada em quase todos os casos onde está sendo abordado o relacionamento entre Deus e o homem. Colin Brown chama a atenção para o fato, de que o amor tem uma conexão muito estreita com a fé, a justiça, e a graça, pois tais conceitos têm um único ponto de origem, na pessoa de Deus somente. E é exatamente este conceito que João tenciona passar em todos os seus escritos. Para ele, o amor é um sinal e uma prova de fé: “Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor procede de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus” (1 João 4.7). Um pouco antes, ele declara: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo: todo aquele que não pratica a justiça não procede de Deus, nem aquele que não ama a seu irmão” (cap. 3.10).
A grande questão que João queria passar aos “filhos da senhora eleita” era que o amor ao irmão se deriva do amor de Deus; e sem o amor ao irmão, não pode haver relacionamento com Deus. O amor que aquelas pessoas deveriam vivenciar umas para com as outras não se resumia unicamente a uma mera simpatia, amizade ou atração. O amor enfatizado aqui é um mandamento de Deus, ou seja, envolve a ação muito objetiva de realmente amar as pessoas, sacrificar-se por elas apesar de tudo. Esta é a grande diferença do amor humano para o amor de Deus. Amor esse, demonstrado plenamente no relacionamento intertrinitário. Fica então, a noção de que o amor do Pai pelo Filho é o arquétipo do amor que devemos ter uns pelos outros. O homem ama por causa de, mas Deus nos ama apesar de.
Agora, é necessário que reflitamos em que exatamente consiste este amor. Amar nesse caso é observar a Lei: “E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos”. O próprio Senhor Jesus Cristo afirmou esta verdade aos discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada. Quem não me ama não guarda as minhas palavras; e a palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou” (João 14.23,24).
Percebam que o raciocínio de João é cíclico. No versículo 5, ele fala a respeito do mandamento para amar. Já aqui ele mostra em que exatamente consiste esse amor. Ele estabelece de forma epigramática (satírica) a reciprocidade entre o amor e obediência. Ele interpreta o amor em termos de obediência, e obediência em termos de amor. O verdadeiro, todavia, é expresso pela obediência às ordenanças divinas. Novamente o Senhor diz: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14.15). E isso não se dá apenas na demonstração de amor para com Cristo. Em Romanos 13.8, encontramos a seguinte afirmação de Paulo: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor com que vos ameis uns aos outros; pois quem ama o próximo tem cumprido a lei”. O amor e a lei são inclusivos um do outro, meus amados irmãos. Amar está indiscutivelmente associado à obediência. Obediência à verdade de Deus. Amar é caminhar na obediência à verdade.
E com isso em mente, irmãos, surge algo muito interessante. Vemos freqüentemente no evangelicalismo mundial o apelo que diz que “o amor é mais importante que todas as coisas”. Pessoas que em busca de unidade fazem questão de pronunciar o famoso dito de Agostinho em sua parcialidade: “e em todas as coisas o amor”. Pessoas que se esquecem de que o dito completo inicia com “unidade no essencial”. O fato, é que tais pessoas pretendem, de forma pecaminosa “sacrificar a verdade no altar do amor” como bem frisou Gordon Lyons. Mas o contrário que é verdade, nas palavras do apóstolo João.
Percebam que no verso 1, o apóstolo faz a seguinte declaração: “... a quem eu amo na verdade e não somente eu, mas também todos os que conhecem a verdade...”. Já no verso 2 ele mostra o que tornava discriminativo o seu amor pelos seus irmãos: “por causa da verdade que permanece em nós e conosco estará para sempre”. Com isso, meus amados irmãos, João está dizendo para aqueles cristãos e também para nós, que o amor deles não deveria ser tão cego a ponto de ignorar as opiniões acerca de Cristo e a conduta dos outros. A verdade deve tornar discriminativo o nosso amor. O amor aos outros não deve minar a lealdade à Palavra de Deus e de Cristo Jesus. O apóstolo argumenta que apesar deles deverem amar uns aos outros, tal amor nunca deve levá-los a comprometer a verdade da Palavra de nosso Senhor.
APLICAÇÃO
Não é de hoje, que algumas denominações protestantes apregoam uma caminhada rumo à unidade entre todas as denominações. Algumas vão ainda mais longe e discursam a respeito de uma unidade com o romanismo. Tais defensores afirmam que “doutrina só divide as igrejas, mas o que deve ser mais importante para todos é o amor”.
Mas nós, como pastores e futuros pastores, temos uma responsabilidade enorme diante de nós. Não podemos nos esquecer jamais da relação de inclusividade existente entre a verdade e o amor. Não podemos permitir que a verdade da Palavra de Deus seja sacrificada no altar de um suposto amor. Tenhamos a consciência de que verdade sem amor nada mais do que legalismo; e amor destituído de verdade nada mais é do que libertinagem!
II – A VERDADE DOUTRINÁRIA (vv. 7-11)
Nos versículos anteriores vimos o regozijo do apóstolo João, pelo fato de que alguns estão andando na verdade. Mas podemos perceber claramente, que a palavra “alguns” encerra em si um conceito limitador, o que mostra que o apóstolo muda agora o objeto do seu discurso. A partir do verso 7, ele se volta dos que andam na verdade papa os falsos mestres, os enganadores. João passa do trigo para o joio. Na verdade, a exortação apostólica nos versos precedentes tem como fundamento a perigosa atividade desses falsos mestres. Isso pode ser averiguado a partir do uso que João faz da palavra “ o[ti ”, traduzida por “porque”. No versículo 7, João afirma a razão da sua preocupação: “Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora...”. Por ocasião do seu primeiro advento Jesus deu aos seus discípulos uma palavra de advertência a respeito do surgimento de tais enganadores: “pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos. Estai vós de sobreaviso; tudo vos tenho predito” (Mateus 13.22,23). João, então, está escrevendo no exato contexto do cumprimento dessa profecia. Os falsos profetas, os enganadores saíram pelo mundo disseminando as suas falsas doutrinas.
Prestemos atenção, no uso que João faz da palavra “ pla,noi ”, que significa “enganadores”. Este vocábulo significa não apenas uma pessoa que induz outras a terem pensamentos heterodoxos, errados, mas acima de tudo uma pessoa que leva outras a cometerem atos errados. E é fato, meus amados irmãos, que uma heterodoxia conduz à uma heteropraxia, uma crença fundamentada no erro e no engano leva à uma conduta cada vez mais perniciosa.
Os enganadores aos quais João se refere são muito provavelmente defensores de duas correntes protognósticas: ou o docetismo, que afirmava que Jesus tinha apenas a aparência de homem, mas que na verdade era um espírito; ou o cerintianismo, heresia que ensinava que Jesus era meramente humano, mas ao ser batizado o Cristo na forma de pomba desceu sobre ele. Na cruz, o Cristo o deixou, e ele morreu sozinho, como homem. Tais enganadores, do ponto de vista deles, eram missionários cristãos. Mas do ponto de vista do apóstolo João eram nada mais que disseminadores do erro e do engano. As palavras do apóstolo são contundentes: “assim é o enganador e o anticristo”. A verdade cristocêntrica, segundo João, é a confessionalidade do Jesus Cristo vindo em carne. Em 1 João 4.2 está escrito: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus”. Percebamos que no verso 7 de 2 João o verbo se encontra no perfeito. O sentido de tal observação é que tanto o tempo presente de 1 João como o perfeito de 2 João acentuam a união permanente das duas naturezas na pessoa de Jesus Cristo. De acordo com Gordon Lyons, “o perfeito indica que a vinda de Cristo na carne era bem conhecida, e que os efeitos da encarnação eram permanentes”.
Aquele que nega esta verdade, diz João, ao é meramente um enganador e um anticristo. Antes, é o enganador e o anticristo. Tal pessoa se opõe à verdade sobre Cristo e engana os homens. E era exatamente isso que aqueles cristãos deveriam evitar. Por isso, vem a palavra de alerta no versículo 8: “Acautelai-vos”, ou como pode ser melhor entendido: “olhem por vocês mesmos”. A grande questão é que o erro disseminado pelos embaixadores de Satanás era sutil e insidioso. Os filhos da senhora eleita não podiam se dar ao luxo de relaxarem em sua vigilância para continuarem caminhando na verdade. Eles deveriam ser excessivamente cuidadosos para não perderem o que haviam realizado com tanto esforço. A referência que João faz à uma perda não tem como objetivo a salvação, pois esta não pode ser perdida. Antes, João se refere ao crescimento na graça, na fé, no conhecimento de Deus e num estilo de vida que glorifique ao Senhor. Positivamente, o desejo do apóstolo era que os cristãos daquela comunidade recebessem “completo galardão”. A referência aqui feita dá a idéia de salário, pagamento, pois a palavra traduzida por galardão se refere ao salário de um trabalhador.
E então, no versículo 9, João continua com a sua advertência: “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho”. João continua advertindo aos filhos da senhora eleita contra o perigo dos falsos ensinamentos, e fazendo isso, ele está dizendo o erro a ser evitado para que eles continuem trilhando os caminhos da verdade. Tal advertência, meus amados, não é hiperbólica. Aqui João mostra a sua extrema gravidade. A referência joanina não é a respeito de alguns irmãos ou irmãs em Cristo que diferiam, possivelmente, sobre alguns pontos sem importância da doutrina ou prática da Igreja. As diferenças sempre são aceitáveis, contanto que elas não conduzam à dissensão. Não obstante, João adverte contra aqueles que “ultrapassam a doutrina de Cristo”. Devemos entender esta doutrina como sendo tanto o ensino de Cristo como sendo o ensino sobre Cristo, mais especificamente a realidade da sua encarnação. As pessoas em foco se jactanciavam por terem ido além do conhecimento “estático” em que a comunidade cristã permanecia. Elas afirmavam terem alcançado um conhecimento (uma gnosis) muito superior. Por isso, João de forma sarcástica toma emprestado o vocabulário dos próprios hereges para afirmar que tal “conhecimento superior” é um forte indicativo de que tal pessoa não tem Deus em sua vida. John Stott chama a atenção para o fato de que tais hereges haviam “avançado tanto, que haviam deixado Deus para trás”. O que João quer dizer é que quem não continua no ensino de Cristo, não tem Deus. Em outras palavras, tais pessoas não são filhas de Deus.
Por outro lado, João afirma que “o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho”. Esta afirmação é uma repetição do que está registrado em 1 João 2.23: “Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho tem igualmente o Pai”. É impossível, amados irmãos, dissociar o relacionamento do cristão com as pessoas da Deidade. Ninguém, absolutamente ninguém pode ter o Pai sem confessar o Filho. As palavras de João em sua primeira carta 5.1 são as seguintes: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus”. O que podemos apreender dessa afirmativa e da instrução dada inspiradamente pelo apóstolo, é que a Cristocentricidade na vida do cristão é o indexador de que alguém é nascido de Deus. “Aquele que permanece na doutrina tem tanto o Pai como o Filho”. Jesus Cristo é a suprema e perfeita revelação do Pai: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (João 1.18). O próprio Senhor Jesus afirmou: “Quem me vê a mim vê o Pai” (João 14.9). De forma, irmãos, que confessar o Filho, permanecer na doutrina é possuir o Pai; negar o Filho é estar privado do Pai.
Privados do Pai: esta era a situação dos enganadores combatidos aqui nessa carta. Apesar de todo o conhecimento que afirmavam possuir, tais pessoas não possuíam o Espírito Santo de Deus. E é exatamente por isso, que a Igreja deve caminhar na verdade repudiando os falsos ensinamentos. Sem o Espírito Santo ninguém pode conhecer apropriadamente os caminhos de Deus. Como poderiam os filhos da senhora eleita esperar que tais “mestres” lhes ensinassem apropriadamente os caminhos de Deus? Esse foi também o ensinamento do apóstolo Paulo, quando afirmou que “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Rm 8.9). Ou ainda, “o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14).
Por isso, João adverte novamente no versículo 10: “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas”. Em vista do fato dos enganadores não possuírem o Espírito Santo de Deus e, conseqüentemente, estarem privados tanto do Pai como do Filho, o apóstolo agora os ensina a maneira correta como tais enganadores devem ser tratados. Tais homens haviam “saído pelo mundo fora”. Havia, então, a forte possibilidade deles chegarem naquela comunidade. A orientação apostólica é para que os membros daquela comunidade não os recebessem em seu seio. Aparentemente , isso pode soar contraditório com a orientação de Paulo em Romanos 12.13: “... praticai a hospitalidade”, ou ainda com a própria orientação joanina nos versos anteriores, para que os crentes daquela comunidade praticassem o amor (v. 6). Mas meus irmãos devemos compreender que a referência feita por João é a respeito dos “enganadores” ou para colocar o devido peso, tratava-se do “enganador e anticristo”. Como pode o povo pactual do Senhor Jesus Cristo acolher no seu meio pessoas “engajadas na sistemática disseminação de mentiras, dedicados missionários do erro?” Os que desejavam uma unidade a qualquer custo poderiam acusar João de ser intolerante e de rejeitar supostos “irmãos na fé”. Talvez tal acusação pode ser encontrada hoje mais do que nunca. Mas a resposta de João seria mais ou menos assim: “não fomos nós que rejeitamos esses falsos mestres, mas foi o próprio Senhor”. O apóstolo inspirado pelo Espírito Santo acabara de afirmar que a pessoa que vive ultrapassando a doutrina de Cristo é “enganador e o anticristo” (v.7). Em outras palavras, tais falsos mestres nada mais são do que “obreiros fraudulentos” (2 Co 11.13). Os interlocutores de João não poderiam nem receber nem saudar tais enganadores, pois o “dar saudações indicava a entrada em comunhão com a pessoa saudada e o desejo de sucesso na sua jornada, e receber um falso mestre era expressar solidariedade para com ele”. Aqueles que procedessem de forma contrária à exortação apostólica autoritativa se tornariam cúmplices das más obras e do erro (v. 11).
APLICAÇÃO
Os falsos mestres, os enganadores que saíram pelo mundo, pregando as suas falsas doutrinas e realizando as suas más obras têm se perpetuado e até mesmo se multiplicado na nossa presente época.
Devemos lutar com todas as nossas forças e com todos os recursos que a Palavra de Deus nos dá, para que tais enganadores, embaixadores de satanás não exerçam nenhuma influência no meio do rebanho do Supremo Pastor Jesus Cristo. Devemos sempre nos acautelar, devemos estar em alerta. Embora muitas vezes, os falsos ensinamentos não sejam plenamente identificáveis, os filhos de Deus devem levar a sério o ensinamento de João e procurar não se desviarem da verdade a respeito de Cristo, a suprema revelação de Deus.
Nós, responsáveis pelo cuidado do povo de Deus, por ocasião do julgamento final daremos contas de nós mesmos a Deus por todo pensamento, palavra e ação que tivermos praticado. Estamos salvos por toda a eternidade, mas num sentido mais estrito, Deus nos julgará pelo modo como ensinamos aos outros a Palavra de Deus. Inevitavelmente, tal falha será refletida na recompensa que receberemos.
CONCLUSÃO
Gostaria de concluir meus amados irmãos, retomando o que foi afirmado na introdução sobre a afirmação do filósofo Aristóteles acerca do desejo filosófico que todos têm de conhecer a verdade. Devemos entender que o desejo de conhecer a verdade é uma coisa, mas encontrar a verdade e trilhar o seu caminho é outra coisa completamente diferente. As aparências podem ser enganosas. À primeira vista certos ensinamentos podem parecer a mais clara expressão da verdade, mas na realidade não passam de ensinamentos ímpios e satânicos. Muitas vezes nos confundimos com as aparências de coisas físicas, quanto maior é a possibilidade de nos confundirmos com as aparências das coisas metafísicas.
Não tenho qualquer dúvida, amados, do quão importante é esse ensino no nosso contexto. Desde o nascedouro da fé cristã, homens que se intitulam “mestres” espalham os erros mais crassos, ensinam aberrações, deturpações acerca do Evangelho de Cristo. Os apóstolos, receptáculos imediatos do evangelho, quando vivos tinham que enfrentar tais problemas. Imaginemos a tarefa que nós como pastores do rebanho de Deus temos descortinada ante os nossos olhos. Devemos ensinar, e antes de qualquer coisa crer de todo coração, nas verdades a nós reveladas e que somente quando a Igreja fixar seus olhos apenas na Palavra revelada de Deus nas Sagradas Escrituras é que ela andará firmemente na verdade e saberá o real sentido da Liberdade Cristã.
Tenhamos força e acima de tudo, coragem para rejeitarmos completamente qualquer ensinamento que não procede do Espírito Santo e permaneçamos firmes, alicerçados na Palavra de Deus: “Santifiquemo-nos na verdade; a Palavra de Deus é a verdade!”
Que Deus nos abençoe!
SOLI DEO GLORIA!!!!
ALAN RENNÊ ALEXANDRINO LIMA
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