5 PONTOS SOBRE "O QUE É JULGAR ?"



O que é julgar?

Julgamento envolve dois fatores principais. Primeiro, envolve um pronunciamento com respeito a se algo é certo ou errado. Isto é ser crítico. De fato, o substantivo “juiz” no Novo Testamento da nossa Almeida Revista e Atualizada é, na maioria das vezes, a tradução do substantivo grego kritees, do qual derivamos nossa palavra “crítico.”

Ao ser crítico, uma pessoa faz várias coisas. Primeiro, ela observa uma ação ou ouve uma opinião de outra pessoa. Segundo, ela avalia o que observou, considerando os aspectos ou implicações positivas e negativas da ação ou opinião. Terceiro, ela chega a uma conclusão e expressa uma opinião com respeito a se o que observou é bom ou ruim. Para usar o exemplo de um juiz que deve adjudicar um caso criminal, diríamos que ele primeiro recebe a evidência contra o acusado, então pesa a evidência, e finalmente expressa sua conclusão com respeito à inocência ou culpa do acusado.

O segundo fator principal envolvido no julgamento é aquele da sentença. Se o juiz descobre que o acusado é culpado do crime, então ele sentencia-o a um castigo apropriado. Se o juiz descobre que o acusado é inocente, então o deixa livre de castigo. Ordenar a libertação de alguém que foi absolvido também é uma sentença: a pessoa inocente merece viver.

Ao dizer que o cristão deve julgar, temos em mente primariamente o primeiro sentido de julgar, ou seja, o de decidir o que é certo e o que é errado. Todo julgamento cristão deve envolver tal determinação. Contudo, somente em poucos casos nosso dever de julgar envolverá também pronunciar uma sentença. Por exemplo, quando um conselho excomunga um pecador impenitente da igreja, uma sentença é pronunciada – uma de morte, de vida apartada de Deus, de exclusão também do céu (Mateus 16:19). Mesmo em tal caso, esta sentença é sempre dependente da impenitência continuada do pecador. O conselho nunca a pronuncia absolutamente, pois Deus é o juiz supremo que dá a sentença final. Em muitos casos, o cristão que julga se as ações de outro são corretas ou erradas, deve deixar a sentença com Deus. O motivo disso é que, embora todos nós pequemos e mereçamos morrer por causa dos nossos pecados, Cristo suportou a sentença de morte pelos pecados dos filhos de Deus, sendo que ele não suportou este castigo por aqueles que não são filhos de Deus. Deus sentenciará ao castigo eterno aqueles que não são seus filhos, e à vida eterna aqueles a quem Cristo redimiu.

O que devemos julgar?

Não podemos julgar algumas coisas. Se uma outra pessoa é eleita ou não, ou se a fé que ela professa é genuína ou não, é conhecido somente por Deus, e não nos é revelado (I Timóteo 2:19). Alguns podem objetar dizendo que podemos de fato determinar se a fé de outra pessoa é genuína ou não, pois podemos julgar pelas obras que tal pessoa realiza; pois a verdadeira fé produz boas obras (Tiago 2:18, 26), e boas árvores não podem produzir mal fruto, nem árvores más produzir bom fruto (Mateus 7:18). Contudo, ao dizer isto, a pessoa deve estar certa que está olhando para o fruto, não simplesmente para o fruto num grau que nem todo filho de Deus sempre produz. Pois, embora todo filho de Deus de fato produza bom fruto, permanece o fato que todo filho de Deus sempre dá evidência da corrupção da sua natureza pecaminosa, a qual permanece nele até a morte.

Porque não conhecemos os corações dos outros, não devemos julgar motivos secretos (1 Coríntios 4:5). É Deus quem julgará estes.

Somos proibidos também de julgar outros em coisas indiferentes (Romanos 14). Se a consciência de alguém lhe acusa ao fazer algo que eu faria normalmente, não posso julgá-lo como errado, conquanto suas ações não sejam contrárias à lei de Deus. Quer comamos ou não, bebamos ou consideremos um dia como santo, nossa escolha deve ser motivada pela fé e amor ao Senhor, e não devemos condenar as ações de outros em questões que são indiferentes. Sobre isso, Paulo diz em Romanos 14:13: “Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão.” O ponto de Paulo é que não podemos condenar a prática de um irmão cristão como errônea simplesmente porque não a praticaríamos desta forma.

Positivamente, devemos julgar se as práticas ou ensinos de outros estão de acordo com a lei e Palavra de Deus.

Que devemos nos precaver dos falsos profetas já foi mencionado (Mateus 7:15). Eis o nosso dever: “Não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (I João 4:1). Devemos nos guardar contra aqueles enganadores e anticristos que “não confessam Jesus Cristo vindo em carne”; e não devemos receber em nossas casas aqueles que ensinam falsa doutrina (II João 7, 10). Todos estes textos falam do nosso dever em distinguir a verdade da mentira. Nosso padrão neste respeito é Cristo e a Escritura, pois Cristo é a verdade (João 14:6), e a Palavra de Deus é a verdade (João 17:17). Após o cristão entender o que é a verdade e o que não é a verdade, ele deve confessar a verdade e se opor à mentira, bem como aliar-se com outros crentes e se separar dos enganadores.

Nosso dever com respeito às noções de outros também é clara. Devemos julgar o pecado como sendo pecado (I Coríntios 5:1ss). Nisso seguimos o exemplo de Jesus (Mateus 5:13ss). O padrão do nosso julgamento do pecado é a lei de Deus, pois Cristo nos ordena julgar “pela reta justiça” (João 7:24). Julgando o pecado, devemos também nos separar daqueles na igreja que persistem em seus pecados (I Coríntios 5:13).

Não devemos julgar os ensinos errôneos ou pecados somente dos outros, mas devemos julgar também nossos próprios pecados e pensamentos errôneos. As advertências contra o julgamento hipócrita certamente torna clara a necessidade de fazer isso. Como as nossas ações igualam-se à lei de Deus? Como as nossas idéias se coadunam com o ensino da Escritura? Se não se igualam, o que faremos a respeito? Condenaremos a nós mesmos, ou continuaremos em nossos pecados, mantendo nossas idéias errôneas e insistindo que o padrão é falho?

De quem é o dever de julgar?

Este dever de julgar cai sobre os crentes como indivíduos e sobre a igreja como um todo.

Ele cai sobre os crentes como indivíduos, porque eles são cristãos. Este título indica que somos participantes da unção de Cristo – que somos profetas, sacerdotes e reis. Particularmente como reis, lutamos contra o pecado e Satanás nesta vida (Catecismo de Heidelberg, P&R 32). Um aspecto da obra de um rei é julgar, tanto dentro como fora do seu reino. Dentro, ele julga se os seus súditos têm obedecido ou não às suas leis. Fora, ele julga (discerne) quem é o inimigo, e luta contra ele. Assim, o cristão, como rei, julga o pecado dentro de si mesmo bem como fora de si como sendo pecado, e luta contra o pecado e Satanás. O cristão, o filho de Deus, não hesitará em julgar como errôneo e expressar-se contra a imoralidade que pragueja nossa sociedade hoje. Usando a Bíblia como seu padrão, ele dirá: “Todo assassinato, incluindo o do aborto, é errado. Toda fornicação, incluindo a da homossexualidade, é errônea. Toda profanação do Dia do Senhor, incluindo a prática de esportes profissionais ou colegiais, e incluindo a compra e venda de mercadorias, é errônea.” Ele não tolera estas coisas. Além do mais, ele deve ser consistente neste respeito. Ele deve julgar como errôneo não somente o aborto e o homossexualismo, mas também o assassinato de homossexuais e daqueles que praticam o aborto. Todo pecado é errado!

Ele faz o mesmo com respeito à falsa doutrina. Ele julga como errônea a noção de que Cristo não é o único salvador. Ele nega que o amor de Deus irá, no final, prevalecer sobre sua justiça, e que toda pessoa será de alguma forma salva. Ele repudia a noção de que judeus, mórmons, budistas, ou outros grupos religiosos, têm a verdade à parte de Cristo.

A igreja como um todo deve julgar também, através dos seus oficiais (pastores, presbíteros e diáconos). Na pregação da Palavra de Deus pelos pastores, ela deve expor a verdade contra a mentira, o caminho correto de viver contra o errado. Sobre a base da Palavra, o pastor deve julgar o certo como certo e o errado como errado. Na obra de disciplina da igreja que os presbíteros são chamados a exercer, o pecado deve ser julgado. Um membro que cometa um pecado grosseiro contra a lei de Deus deve ele mesmo julgar isto como sendo pecado, confessar e se arrepender. Os presbíteros devem julgar e disciplinar aqueles que falham em confessar o seu pecado e que permanecem impenitentes. Os presbíteros devem também guardar o púlpito, sujeitando a pregação do pastor ao teste da Escritura, e chamando a pregação de herética, se ela o for. Que a igreja deve julgar é evidente a partir de 1Coríntios 5, onde Paulo ordena que a igreja julgue o pecador, e se preciso for, remova-o do seu meio.

Como devemos julgar?

Embora seja claro que é o nosso dever julgar, a questão de como julgar é importante.

Julgar usando um outro padrão que não a lei e a Palavra de Deus é errado. Usando o padrão da Palavra de Deus, devemos julgar o pecado como sendo pecado, sabendo que estamos certos mesmo que a sociedade nos acuse de intolerância. Nosso julgamento estará então de acordo com o julgamento de Deus no Dia do Julgamento, pois ele também usará sua lei e Palavra como seu padrão de julgamento. (Lembre-se que neste caso não estamos falando de pronunciar uma sentença – isto é, céu ou inferno— mas de se Deus achará ou não que certo ensino ou ação é certo ou errado).

Julgar hipocritamente é errado. Deveríamos julgar os outros somente após examinar nós mesmos. Isto não significa que não podemos julgar o outro por um pecado que uma vez tenhamos cometido; antes, significa que devemos estar certos de que nos desvencilhamos completamente do nosso pecado antes de podermos falar aos outros do pecado deles (Mateus 7:1-5).

Algumas vezes, por orgulho, imaginamos que nunca cometeremos os pecados que julgamos nos outros. Em outras ocasiões julgamos imprudentemente, não tendo examinado a evidência cuidadosamente o suficiente para saber se um pecado real foi ou não cometido. Ou podemos julgar com ignorância, julgando ações ou idéias de outras pessoas como errôneas simplesmente porque diferem do que sempre pensamos ser correto, sem avaliar se os nossos pensamentos estão de acordo com a Escritura ou não. Todos os julgamentos assim são errôneos.

O julgamento apropriado deve ser feito com um espírito de humildade, em misericórdia e prontidão para perdoar, e de acordo com a lei de Deus. Ele requer de nós lembrar que também estaremos diante do tribunal de Cristo. Ele é feito também com autoridade e ousadia, pois Deus nos chama a fazê-lo, fazendo-nos participantes da unção de Cristo para que possamos julgar, e nos dando sua Palavra como o padrão pelo qual cumprimos tal chamado.

Que incentivo temos para julgar?

O principal incentivo é o nosso amor a Deus. Por amor a ele devemos defender sua Palavra e lei. Falhar em julgar o pecado é tolerar o pecado. Mas Deus não tolera o pecado; antes, ele o odeia! Tolerar o aborto, o homossexualismo e o falso ensino é negar a Palavra de Deus e mostrar ódio pelo próprio Deus!

O segundo, e relacionado com o primeiro, é o fato de que seremos julgados. Deus nos julgará de acordo com nossas obras, quer sejam boas más. Julgar o mal com sendo bom nesta vida certamente trará sobre nós o seu julgamento de condenação e destruição eterna. Julgar o mal como sendo mal trará sobre nós o seu julgamento de inocência e vida eterna—não porque mereçamos isso por nosso bom julgamento, mas porque nosso julgamento correto é evidência de que o seu Espírito opera em nós todas as bênçãos da salvação, um das quais é o privilégio de testificar a verdade.

Terceiro, somos motivos a julgar por nosso desejo pela salvação do nosso próximo. Desejamos seu arrependimento! Desejamos sua submissão à vontade de Deus! Desejamos que ele fale a verdade como Deus a revelou! Assim, julgamos seu pecado como pecado, para que ele possa se arrepender. Paulo nos instrui com respeito a isto, quando diz que o objetivo que os coríntios deveriam ter, ao excluir o fornicador da comunhão, era a salvação do seu espírito no dia de Cristo (I Coríntios 5:5).


Conclusão

Julguemos então pela reta justiça! Persistamos nisso!

Tal julgamento certamente trará sobre nós a ridicularização não somente do mundo, mas também de muitos que se chamam cristãos. Ela pode trazer sobre nós o desprezo até mesmo de irmãos ou irmãs, pais ou filhos, amigos e amados! Julgar com reta justiça não tornará as coisas fáceis para nós nesta vida. Não aconteceu isso com Cristo— isso o trouxe à morte de cruz.

Contudo, devemos persistir em julgar corretamente, com a certeza que o julgamento de Deus não virá sobre nós por causa do nosso julgamento, e com o conforto que a condenação do mundo por julgarmos corretamente serve na realidade para a própria condenação dele no dia de Cristo.

Que o seu amor abunde mais e mais em todo conhecimento e em todo julgamento! Aprovemos as coisas que são excelentes! Então, pela graça de Deus, seremos instrumentos para sua glória e louvor.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / felipe@monergismo.com

(Para material Reformado adicional em Português, por favor, clique aqui.)



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